* Por Julia Queiroz em 10 de abril de 2017
Estou escrevendo esse texto de um veleiro, a caminho de uma ilha aqui da Espanha chamada Formentera. Eu consigo ver a ilha daqui de onde eu estou, mas eu sei que ainda vai “demorar” para chegar.
Velejar é assim… um estilo de viagem em que a pressa e horário marcado não têm vez. Se você vier de iate desde o litoral da península até aqui onde eu estou, você chega em mais ou menos 3 horas. Com um veleiro, essa viagem leva de 10 a 12 horas, dependendo das condições do dia.
Então, você tem que estar preparado(a) para mudar um pouco essa urgência toda que a gente costuma ter. Eu percebi isso agora, enquanto eu estava aqui olhando impaciente para a ilha e desejando chegar logo, ignorando toda aquela filosofia bonita de que a gente tem que desfrutar o caminho. A minha mente simplesmente não quer esperar, ela só quer chegar. Quando eu percebi isso, parei para tentar entender o porquê.
Me lembrei de uns dois meses atrás, quando eu resolvi plantar algumas sementes de limão. Li um pouco sobre o assunto e diziam que em duas semanas já deveria começar a aparecer alguma coisa. Depois de duas semanas eu não tinha nem sinal das minhas plantas e passei a olhar para elas todos os dias, mais uma vez, meio impaciente esperando algum sinal de vida. Os brotinhos só começaram a sair depois de um mês. Parece que mais uma vez eu estava com pressa, não queria esperar, queria que a natureza funcionasse no meu ritmo, mas ela obviamente me mostrou que não estava nem ai para ele.
Deve ser a mesma pressa que me fazia mudar a hora do meu bichinho virtual quando eu era pequena. Eu colocava várias vezes no mesmo dia que eram 23:59, desse jeito ele crescia muito rápido e eu não precisava esperar muitos dias para ver como ele ia ficar. Talvez seja a mesma pressa que me faça ver os vídeos do YouTube em velocidade “dois” para durarem menos, ou olhar sem parar para todas as filas do supermercado e analisar se eu estou na mais rápida.
Que eu foquei no resultado final e não queria saber do processo? Que eu quis que tudo funcionasse em uma velocidade fora do normal para atender essa minha imediatez?
Eu percebi nessa viagem que no final sempre queremos tudo para “agora”, do nosso jeito, com o nosso tempo. Não sabemos esperar. Quando temos que esperar algo ou alguém, a nossa mente “grita” pedindo essa urgência. Geralmente pegamos correndo o celular tentando distrair os nossos pensamentos e fingindo que estamos fazendo algo. Como se ver um pouco sobre a vida de alguém, quantas curtidas tivemos na última foto ou as notícias fosse melhor que somente esperar e estar presente no agora… Mas pelo menos deixa a nossa mente apressadinha ocupada, não é?
A história do bichinho virtual talvez mostre que eu não sei esperar desde criança e, sem julgar ninguém, talvez os pais estejam fazendo o mesmo com os seus filhos, quando na primeira reclamação em algum lugar público já colocam um celular na mão deles com os seus joguinhos favoritos. Estamos criando mais seres impacientes que não sabem acalmar a mente e simplesmente esperar.
Não é culpa de ninguém. É da evolução, da rapidez que o mundo se desenvolve, da velocidade com que chegam informações e da quantidade de coisas que temos que processar ao mesmo tempo. Para acompanhar tudo isso, nosso cérebro tem que ser rápido, ágil e otimizar o tempo.
Então, o coletivo foi pedindo essa pressa toda e o quase tudo está feito para atender essa necessidade de rapidez. Por isso, por exemplo, que os sites de entrega têm que ser cada vez mais rápidos, a comida tem que ser instantânea e existem produtos para resolver tudo! Já que a gente não tem tempo (nem paciência) para esperar o ciclo natural das coisas.
Hoje em dia, a gente tem um monte de teoria na cabeça que parecem muito bonitas, mas nem sempre conseguimos colocar em prática. Já que não é de um dia para o outro que apagamos um hábito que nos acompanha a vida inteira. E foi isso que eu percebi hoje… A teoria do “aproveitar o caminho” estava lá, mas no automático eu acabo funcionando de outra maneira.
Esquecemos que a nossa essência, nossa natureza e o que é real de verdade não tem pressa. A evolução da natureza é “lenta” e talvez por isso que ela seja perfeita. É a “lentidão” que faz com que tudo se equilibre e se adapte. No entanto, o ser humano habita o planeta em escala exponencial, muitos ainda sem pensar nas consequências do que fez ontem. Não é a toa que a natureza às vezes dá sinais de que deveríamos ir com mais cuidado.
Quem perde com tudo isso somos nós: que não sabemos estar presentes, perdemos os aprendizados do processo, o caminho e os detalhes.
No meu caso hoje: é um mar lindo, um dia de céu azul incrível e a sensação de liberdade e integração com a natureza que esse tipo de viagem dá. É isso que eu não posso perder. Quem vai perder é a minha mente e a sua pressa de chegar.
Agora, vou terminar esse texto e esperar pacientemente chegar em Formentera, já que o próximo passo será fazer as 12 horas de volta e isso, provavelmente, vai ser outra prova para a minha mente.
PS: depois que eu terminei o texto, apareceram alguns golfinhos no caminho, acho que estavam ai para provar que tudo que eu escrevi aqui tinha sentido.
Imagens: arquivo pessoal, Google.
Julia Queiroz percebeu que não se encaixava com a vida louca de uma cidade grande. Saiu por ai para se encontrar e continua nessa busca. Gosta de viajar, estar em contato com a natureza, aprender coisas novas e discussões saudáveis. Tem dificuldade para compreender a complexidade do mundo ao mesmo tempo que faz a sua parte para tentar mudar ele para melhor. Percebeu que decidir mudar e viver em outro país tem seu lado difícil, então resolveu ajudar quem está na mesma situação no site Tempo de Migrar, através de reflexões e dicas práticas.
"Eu sou uma buscadora, dando meus passos no universo. Tentando entender, tentando digerir a vida. Eu não quero parar até encontrar de fato tudo o que venho buscando: dar todo o meu amor!"
– Autor desconhecido
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