Todo mundo nasce artista. Mesmo que você tenha sido convencido por alguém que não sabe cantar, tocar um instrumento, dançar, desenhar, pintar, escrever, fazer fotos, filmes (seja por trás ou na frente da câmera), você e todos nós podemos criar. Se somos feitos à imagem e semelhança de Deus, consequentemente temos a chancela de criadores, de criativos! Arte e vida não se imitam: elas são a mesma coisa. Por isso, quem vive, faz arte.
Muitos acreditam que, quando nascemos, somos como uma folha em branco, uma rocha bruta. Estamos livremente autorizados pela vida que recebemos a fazer o que quisermos com ela. Recebemos todo tipo de matéria-prima para criar o que somos e queremos ser. E assim vamos vivendo e fazendo arte. Quantas vezes ouvimos, quando éramos crianças, nossos pais ou adultos dizendo que éramos arteiros e deveríamos parar? Muitas vezes fomos castigados por sermos tão criativos e corajosos, desbravando as paredes da casa, tão maiores e mais convidativas do que uma folha de sulfite tão limitada para a nossa grandeza.
Diante dessas punições, podemos ter perdido um pouco o gosto por criar, por se expressar, encobrindo nossos talentos, gostos e habilidades; ou, pelo contrário, quisemos contrariar. Mas nossa essência precisa de arte, pois só assim poderemos conhecer a nós mesmos. Michelangelo dizia que seu ofício como escultor era apenas de ver a estátua pronta na pedra, e libertá-la, retirando o excesso de material cuidadosamente. Stephen Nachmanovitch, no seu livro Ser Criativo – o Poder da Improvisação na Vida e na Arte, diz assim:
“Vamos voltar à ideia de Michelangelo de remover superfícies aparentes para revelar ou libertar a estátua que está contida na pedra desde o início dos tempos. Michelangelo dizia-se guiado por uma faculdade que ele chamada de intelleto. Intelleto significa inteligência, não a inteligência meramente racional, mas a inteligência visionária, uma profunda visão dos padrões ocultos sob as aparências. Nesse aspecto, o artista é um arqueólogo, que revela camadas cada vez mais profundas à medida que trabalha, que recupera não apenas antigas civilizações, mas algo que ainda está por nascer, algo nunca visto nem ouvido antes, a não ser pelo olho interior, pelo ouvido interior. Ele não está apenas removendo superfícies aparentes de um objeto externo, está removendo superfícies aparentes do Ser, revelando sua natureza original.”
Ao ler este parágrafo, eu comecei a ver como artista toda e qualquer pessoa que busca a si mesma. A estátua é a essência de cada ser humano, o que somos de verdade, e que está muito além do que a sociedade espera e manda a gente ser. Nós humanos somos o artista e a matéria-prima para a nossa arte. Nós vivemos com o profundo desejo de ser feliz e encontrar a nós mesmos pela vida, de encontrar sentido e de ser o que realmente somos. Nosso espírito, nossa alma nasce pronta dentro da pedra, o nosso corpo, e, ao crescer, enfrentamos todo tipo de experiência que nos estimula a desgastar cada vez mais as arestas e os cantos vivos da nossa personalidade para encontrar nossas virtudes.
A arte de se conhecer, assim como qualquer outra, é um caminho desafiante, mas muito compensador. Requer tempo, tranquilidade e o desapego de expectativas para ver o que está além da superfície. Sem esperar nada do resultado de nosso autoconhecimento, podemos largar a mania de fazer pichações sobre nós mesmos com autocrítica, autopiedade, largar o vandalismo dos pensamentos e hábitos autodestrutivos, e de nos encobrirmos com qualquer distração que nos oferecem, como diplomas, cargos, obrigações e necessidades vazias.
Criar a si mesmo é retirar a craca, é se despojar das máscaras sociais confortáveis, tomar coragem para observar e entrar em contato com a pedra que abriga a nossa melhor versão. E pacientemente, com a sensibilidade de uma mãe amorosa e com a calma de um monge, ir desvendando a nossa grandeza através de cada desafio da vida que nos quebra e nos despedaça todos os dias.
O suor e a dor do artista estão em contato íntimo com cada caco que revela a face polida da sua própria luz. Muitas vezes queremos evitar sentir desconforto, idealizamos as situações, mas podemos passar por cada momento doloroso com a fé de que tudo que nos é tirado é desnecessário para manifestar nossa grandeza. Precisamos de muito pouco para Ser o que Somos, e até o fim da nossa vida teremos cada vez menos impedimentos para mostrar como somos belos e únicos, como toda obra de arte.
Fotos: divulgação
Amanda Cordeiro é uma caçadora: de si mesma, através das próprias experiências e da observação do seu mundo; de erros e ganchos para melhorias, nos textos e trabalhos que revisa e produz há quase 8 anos; de sentimentos e inspirações que às vezes coloca no seu blog Do Casulo para o Ar. Adora dançar, cantar, experimentar novidades, lembrar a época em que foi atriz amadora, e estudar espiritualidade e ferramentas de autoconhecimento. Tem um quê de Vanessa da Mata – e isso pode animá-la a subir num palco de vez em quando.
"Eu sou uma buscadora, dando meus passos no universo. Tentando entender, tentando digerir a vida. Eu não quero parar até encontrar de fato tudo o que venho buscando: dar todo o meu amor!"
– Autor desconhecido
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2 comentários. Deixe novo
Simplesmente encantadora sua partilha, Amanda!
Muito bom o texto! Com certeza se encaixa muito em minha realidade. Obrigado