* Por Angélica Nedog em 13 de março de 2017
Já perdi a conta de quantos textos sobre autossabotagem eu li nos últimos anos. Também escrevi outros tantos. Mas quando fui “desafiada” a escrever sobre autossabotagem de uma maneira mais pessoal, de cara lavada, foi quando percebi, pela primeira vez, a ironia toda da coisa. Comecei a escrever e parei um sem fim de vezes, simplesmente porque o texto não estava fluindo…
Alguma coisa naquelas palavras não fazia sentido, embora a mensagem fosse concisa. Talvez eu estivesse cansada. Sim, era isso! Resolvi sair para caminhar, mas olhei pela janela e vi que estava chovendo. Pensei, então, em arrumar o armário, mas descobri que a bagunça era maior do que eu havia imaginado. Já sei! Vou ler aquele livro que comprei há séculos e ainda nem terminei o prefácio, mas lembrei que minha vista já estava cansada demais… Ahhh, vou ouvir música! Droga… antes preciso criar uma playlist que preste, mas dá um trabalhão escolher música por música…
Foi então que eu percebi que eu estava vivendo o meu texto, e por isso mesmo não era capaz de escrevê-lo. Como eu poderia escrever sobre autossabotagem, seus efeitos negativos, como reconhecê-la, como evitá-la, se eu mesma não era capaz de colocar nada daquilo em prática? Era contraditório e hipócrita. Estava me sentindo uma fraude, do tipo “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Lembrei de um vídeo chamado InstaFake, onde mulheres postam fotos em diferentes situações com as mais diversas “hashtags”, mostrando o que queriam que fosse mostrado e, em seguida, a situação real – completamente diferente daquela postada, cheia de “curtidas” e “seguidores”. Era isso!
#angelicafake, #tôprocrastinando, #tômeautossabotandomesmo, #paratudoqueeuquerodescer, #amanhãserámelhorseeuagirhoje, #issotudomedeuumafome, #pqpchocolatenãoresolvetudo, #sugarislife, #chegadehashtag, #ondeeuestavamesmo?
Percebi que a autossabotagem e a procrastinação andam de mãos dadas. Uma alimenta a outra; uma não sobrevive sem a outra; uma É a outra. Nós procrastinamos porque não sentimos prazer, vontade, impulso ou motivação para fazer aquela tarefa específica. E se pensarmos no motivo pelo qual não sentimos nada disso, acabamos voltando à nossa velha conhecida… Isso mesmo, autossabotagem!
Parece confuso, mas é bem simples.
Por exemplo: eu preciso entregar um texto para um site, cujo tema é autoconhecimento. Mamão com açúcar! Então eu começo a digitar. E, de repente, me vem à cabeça todos os ‘zilhões’ de textos sobre autoconhecimento que eu já li na vida e me bate uma insegurança. “Poxa, vou escrever a mesma coisa que já foi escrita tantas e tantas vezes… e por tanta gente de peso… preciso pensar mais sobre o assunto. Ah, ainda bem que está na hora de tomar um café! Era disso que eu estava precisando”! Uma xícara de café e dois episódios de Black Mirror depois, estou de volta ao batente, agora com força total. Recomeço a digitar, mas então lembro que preciso ir ao supermercado comprar alguns pães. “Melhor ir agora e ficar livre”. Quatro pães depois – dois eu comi enquanto assistia a mais um episódio de Black Mirror – cá estou novamente, mais pronta do que nunca, para escrever um texto de arrasar. Dois dias mais tarde, ele ainda não está pronto. “Tenho que entregar isso hoje”. O pânico se instala.
#bloqueiodeescritor, #oqueeufaçoagora, #inspiraçãocadêvocê, #apagãogeral, #needmorechocolate, #coisamaischataessahashtag.
Depois de dar banho no cachorro, aspirar o apartamento todo, procurar receita de bolinho de chuva na internet (e voltar ao supermercado para comprar os ingredientes), fazer o bolinho de chuva, comer o bolinho de chuva, conversar com minha amiga por Skype, fazer uma montagem com as fotos da minha viagem mais recente e trocar a cor do meu esmalte, eu finalmente entreguei o texto.
Então, por que eu não fiz isso antes, sem pressa? Porque achei que não estava bom o suficiente, que eu não estava agregando valor, que podia ser melhor. E toda essa insegurança, esse medo de não saber tudo, de não ter controle sobre tudo, me paralisou. De repente eu me dei conta de que nós nunca estamos prontos até colocarmos a mão na massa. E, de que mesmo assim, somos capazes de inventar mil desculpas para protelar. Elas estão escondidas em todos os cantos e disfarçadas de todas as formas, seja uma ida relâmpago ao supermercado até aquela arrumação no armário. Sim, elas podem muito bem esperar o momento certo para acontecer.
Eu comparo a autossabotagem com o Tamagotchi, aquele primeiro bichinho virtual dos anos 90 em formato de chaveirinho: você alimenta, brinca, educa, limpa e o mantém vivo e feliz, até que a bateria não aguente mais ou você simplesmente esqueça que ele existe e mate o bichinho de fome, sede, tédio ou solidão. Assim é a autossabotagem. Ela vai continuar lá, firme e forte, enquanto estiver sendo alimentada pelos nossos medos, fraquezas e inseguranças; enquanto a mantivermos viva às custas da nossa própria vida, como um parasita que usa um hospedeiro e o descarta quando não precisa mais dele.
Todos nós temos um Tamagotchi guardadinho em algum canto escuro do armário. Na verdade, ele é um mal necessário, um tipo de “termômetro” que avalia os nossos pontos fortes e fracos. De vez em quando, ele resolve aparecer. Às vezes ele vem com a bateria bem fraca, às vezes com força total. Cabe a mim entender o que ele quer e escolher alimentá-lo ou ignorá-lo. Hoje, dei uma boa olhada nele e o coloquei de volta no armário. Escrevi o texto. Saí para dar uma volta, mesmo com chuva. Programei a arrumação das gavetas para o fim da tarde. Parei por alguns minutos para ler o livro. Estou ouvindo música. Mais tarde, quem sabe uma taça de vinho?
Por hoje, ganhei a batalha contra o meu monstrinho de estimação. Quando ele aparecer novamente, terei uma nova chance de escolher o que fazer com ele. E essa é a beleza – e a ironia – dessa jornada incrível chamada vida.
Imagens: hang_in_there via Visualhunt / CC BY , Os Profanos, Obvious Magazine, Google, symphony of love via VisualHunt / CC BY
Angélica Silva é uma buscadora. Eu sempre digo que o maior problema dela é ser parecida demais comigo (Alana), o que me confunde nos textos. Não sei qual é de quem! Uma mulher que se joga na vida com coragem, é autêntica, divertida e se reinventa a cada momento. Boto fé! Ela escreve também no seu blog pessoal Assim com a fênix. Confira!
"Eu sou uma buscadora, dando meus passos no universo. Tentando entender, tentando digerir a vida. Eu não quero parar até encontrar de fato tudo o que venho buscando: dar todo o meu amor!"
– Autor desconhecido
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