* Por Julia Queiroz em 20 de maio de 2016
Vizinhos diferentes, quintais novos, paisagens que mudam, uma casa motorizada… é uma rápida descrição de como é viajar e viver alguns dias dentro do carro.
O carro não é comum, tem os seus confortos: geladeira, fogão, pia, armários, mas o melhor que ele pode oferecer são as experiências. Pode ser que nem todo mundo goste. Muitas vezes temos que abrir mão de alguns confortos para viver algo novo.
A minha primeira experiência com esse tipo de viagem foi na Austrália e, desde esse momento, eu me apaixonei. Vi famílias inteiras viajando em autocaravanas, aposentados vivendo em campings e lamentei por não termos essa cultura no Brasil.
Para a minha sorte, eu vim parar na Espanha e descobri que muita gente viaja assim por aqui. Em carros pequenos ou grandes, modernos ou muito velhos, alguns com autocaravanas gigantes, mas uma coisa em comum: uma vida mais simples. Compramos um carro adaptado aqui, eu fui descobrindo uma forma de viajar que não conhecia e com isso aprendi algumas lições que gostaria de compartilhar:
Vivemos em um mundo materialista. Nascemos e crescemos condicionados a ganhar dinheiro e comprar coisas. Mas parece que perdemos um pouco a referência e muitas vezes compramos mais do que é necessário. Viramos escravos desse círculo sem fim e passamos a comprar não por necessidade. Compramos objetos sem utilidade, para ter o que a sociedade considera importante, para curar doenças que não existem e para sermos aceitos. Quantas das coisas que temos, realmente precisamos?
Ao viver em um lugar tão pequeno, temos que avaliar o que é realmente importante. Qualquer espaço ocupado por algo inútil incomoda, atrapalha. Por isso que a cada viagem a mala vai ficando mais vazia, os armários mais livres, dando espaço só para o essencial. A gente deixa o verbo “ter” de lado e passa a dar maior valor para o verbo “ser”.
Eu sempre valorizei a criatividade, mas nunca fui organizada. Meus quartos sempre foram cheios de pilhas de papéis sem uso, armários difíceis de encontrar coisas e camas desarrumadas por dias. Mudar algo que está com a gente há tanto tempo pode não ser muito fácil, mas é necessário.
Eu aprendi que a organização, além de imprescindível em uma viagem assim, economiza tempo e energia. E tem alguma coisa mais importante que tempo? Então, aos poucos, estou mudando esse meu lado, me livrando dos meus antigos costumes.
Para viver com menos temos que ser mais criativos. Objetos ganham novos usos, coisas têm que ser consertadas no caminho e surgem várias adaptações. A criatividade nos faz sentir mais capazes, mais autônomos, já que não precisamos comprar para solucionar, temos tudo que precisamos para resolver qualquer coisa.
Sair com todos os pontos turísticos anotados, saber onde ficam todos os estacionamentos, ver as fotos de tudo antes de sair… Essa sempre foi a minha rotina antes de viajar. Ter tudo preparado era o que me deixava calma e segura.
Até que eu percebi que viajar de carro é a oportunidade perfeita para não ter roteiros e mudar os planos. Quando você não tem uma reserva em um hotel e não gosta do lugar, simplesmente muda. Fica menos preso e conhece mais lugares.
Fui aprendendo a relaxar, curtir o momento, ouvir pessoas e descobrir destinos novos e poucos usuais. Deixar o acaso indicar um lugar bonito, não ficar ansiosa por deixar de ver todos os lugares da moda e dizer: “Olha! Que lugar lindo! Vamos ficar aqui?”.
Há algum tempo eu comecei a respeitar que cada pessoa tem uma visão do mundo e que duas pessoas podem interpretar de maneira diferente uma mesma situação, ficando uma feliz e outra triste. Passei a respeitar mais e não impor o que eu acho certo para a minha vida como um dogma e, sim, como a minha escolha.
Essa visão tão diferente fica clara de outra forma quando estamos viajando. Em muitos momentos ouvimos a opinião de outras pessoas sobre um destino. Muitas dicas, promessas de lugares maravilhosos, afirmações de que não vamos nos arrepender, descrições belíssimas e brilho nos olhos. Até eu perceber que, muitas vezes, quando eu chegava nesses destinos não via nada do que me haviam descrito. Muitas vezes chegava a duvidar que era o mesmo lugar.
Então percebi que a beleza não está só nos lugares e sim na interpretação de quem vê.Que somos únicos até para interpretar a mesma coisa. Que a nossa visão não é só formada pelas imagens que entram nos nossos olhos através da luz, elas tem sentimentos. Aquilo que realmente fica marcado no nosso cérebro são imagens distorcidas pela bagagem que carregamos. Se aquele lugar te lembrou uma fase linda da sua infância, pode ser que na sua memória aquele lugar vai ser muito mais bonito do que a realidade. Ou melhor, falando dessa forma, a realidade talvez nem exista ela só é mais uma interpretação.
Nós vemos o mundo que queremos, que aprendemos e que nos ensinaram a ver. O mundo fica mais bonito se nós permitirmos ver ele assim.
Eu cresci sem ver muitas coisas diferentes. Nasci e cresci numa cidade grande e via sempre as mesmas possibilidades. Ter o emprego formal, algumas pessoas com concursos públicos, outras abriam negócios, esperavam se aposentar, mas foi quando eu sai do país que comecei a conhecer diversas formas de viver. Pessoas que viviam de uma forma que eu não conhecia e empregos que eu nunca tinha ouvido falar.
Ao viajar com o carro conheci um monte de gente assim. Pessoas que deixaram a casa fixa e trocaram por uma com rodas, aposentados que vivem 6 meses em cada país, jovens que decidiram largar tudo e não é que essas escolhas são melhores que as outras. É que ao conhecer pessoas que vivem de forma diferente, nos questionamos se seguimos nossos caminhos porque são os únicos que conhecemos ou porque é realmente o que queremos. Ficamos curiosos para conhecer mais gente e mais histórias. Saber que outros finais são possíveis e nos encher de esperança para seguir cada vez mais o que nos faz feliz.
A beleza das experiências novas é como ela nos faz crescer e nos transforma. É passar a olhar com mais detalhes, aprendendo e observando. Assim foi e está sendo essa experiência. A minha última viagem foi para o sul da Espanha e já estou esperando o próximo destino!
Até a próxima.
Crédito das imagens: arquivo pessoal
Julia Queiroz percebeu que não se encaixava com a vida louca de uma cidade grande. Saiu por ai para se encontrar e continua nessa busca. Gosta de viajar, estar em contato com a natureza, aprender coisas novas e discussões saudáveis. Tem dificuldade para compreender a complexidade do mundo ao mesmo tempo que faz a sua parte para tentar mudar ele para melhor. Percebeu que decidir mudar e viver em outro país tem seu lado difícil, então resolveu ajudar quem está na mesma situação no site Tempo de Migrar, através de reflexões e dicas práticas.
"Eu sou uma buscadora, dando meus passos no universo. Tentando entender, tentando digerir a vida. Eu não quero parar até encontrar de fato tudo o que venho buscando: dar todo o meu amor!"
– Autor desconhecido
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